segunda-feira, 11 de julho de 2011

Dona Zeca

Parece que foi ontem pois,  ainda está viva em minha memória quando a vi entrando em nossa sala do  4º ano do Grupo Escolar Cezar Martinez, em nosso primeiro dia de aula. Sabíamos de sua fama de braba. Ela, a Professora do 4º ano.Dona Zeca, como era conhecida. Amada por uns e odiada por outros. Ela estava vestida de preto, saia de tailleur, blusa e sapatos, que lhes ornavam a fama de braba dando-lhe um ar severo. A Dona Zeca tinha uma pedagogia sui generis, que hoje lhe traria muitos aborrecimentos. Quando estava no quadro negro, de costas para a classe, costumava chamar a atenção dos alunos que perturbavam suas aulas, virando-se bruscamente e  atirando pedaços de giz  e os fuzilava com um olhar duro,brabo que podia prenunciar uma suspensão ou uma reprovação anual. A verdade é que todos a respeitavam ou morriam de medo. De minha parte, afirmo que pertencia ao grupo dos que a amavam. Devo à ela me tirar de um sufoco que já me causava problemas com meus pais. Eu havia repetido o terceiro ano e segundo  explicação da Da. Alice, minha professora, à minha mãe, eu era novo para acompanhar os mais velhos e, portanto, seria melhor repetir o ano. Claro que foi uma forma educada  de dizer que eu não estava acompanhando os demais, e assim repeti.  Para as provas finais do ano da repetição, eu estava mal em matemática e português. Se repetisse corria o risco de ser jubilado. Minha mãe, então, foi conversar com Dona Zeca e pediu-lhe para me dar algumas aulas particulares. Ela disse que aceitaria desde que pudesse conversar antes comigo. Mandou chamar-me na sala dos professores, olhou firme nos meus olhos e disse-me, “ Você avalia o sacrifício que sua mãe está fazendo por você?”  Lembro que não respondi apenas anui com a cabeça que sim. Ela zangou-se e  indagou, “Você não tem língua, não? Tem? Então responda e não faça gesto com a cabeça”, gaguejei e respondi, “ Sim”,  ela retrucou, “Sim o que?”,  então lhe respondi, “ Sim, tenho língua.” Ela enfureceu-se e vociferou escandindo as palavras, “ Seu ignorante”, e continuou, “Quero saber se entende o sacrifício de sua mãe.” Eu, ainda nervoso e meio assustado, afirmei que sim, que entendia. Ela, então, me fez prometer que eu faria valer cada centavo pago pelas aulas particulares. Foi assim, que aquela mulher temida assumiu-me quase como um filho e de maneira firme mas sem perder a ternura mostrou-me como a matemática e o português seriam fáceis de compreender. Sempre que eu errava uma questão ou um tempo de verbo, lá vinha o seu lado megera pra cima de mim. Alguns beliscões e pequenos coque na cabeça me traziam a realidade rapidinho.Certo dia notei que ela estava meio triste e perguntei, “ Dona Zeca a Sra. está triste?”  Ela, cotovelo apoiado na mesa, mão espalmada no rosto, deu uma resposta dura, “ Se estou ou não, isso não é da sua conta, viu seu moleque enxerido.”  Pedi desculpas e depois de alguns segundos, olhou-me ternamente e respondeu, “Sim, estou triste.Problemas meus”, e eu comentei, “Minha mãe quando está triste, ela chora. A sra. também chora?”  Ela respondeu algo  para mim inteligível naquele momento, “ A alma de tão sofrida já não tem forças para chorar.”  Na hora não alcancei a profundidade daquele pensamento mas ficou na memória. Só alguns anos depois, quando numa determinada situação fiquei triste pela morte de um ente querido, lembrei daquelas palavras e aí entendi. Durante dois meses ela me preparou para as provas finais. No final ela me disse ternamente, “Zé, tenha confiança em você, porque você está preparado, eu sei, eu tenho certeza. Vai meu filho, mostre que valeu a pena o dinheiro que sua mãe gastou. Essa experiência te valerá por toda vida.” Fiz a prova e me saí muito bem, passei para o quarto ano e tive ela como professora. Atravessei o quarto ano como um bom aluno e conclui o curso sem sobressalto. Em seguida fiz o vestibulinho para o Ginasial. Na minha época, para cursar o ginasial, tínhamos que fazer uma prova de avaliação. Foi fácil. Por isso quando, ao longo de minha vida, enfrentei e  ainda enfrento  situações complicadas lembro da querida mestra me dizendo, “ Tenha confiança Zé, você está preparado para enfrentá-la, eu sei que está”. Saudades da querida mestra.

texto  enviado por:  José Palma Bodra

2 comentários:

  1. Bravinha a professora Zeca, mas foi de extrema importância em sua vida, pelo que você contou no seu texto.
    abraço

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  2. Pois é Jose Palma dona Zeca só lhe fez bem e ajudou você a encarar a vida.
    lecionei a minha vida toda

    Marilu Sampaio

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