segunda-feira, 3 de outubro de 2011

NOSSA PRIMEIRA TV

Minha irmã e eu ouvíamos falar  que logo chegaria ao Brasil um aparelho chamado televisor no qual se poderia ver os artistas na sala de casa. Éramos crianças ainda e exercitávamos nosso imaginário  criando imagens num velho rádio da marca Spalle que tinha um olho mágico, assim chamado o dispositivo que ao ligar o aparelho  se iluminava e se abria, como um olho, irradiando uma luz azulada. Eu encostava   o olho na luz azulada  e   dizia para ela:  “Estou vendo o locutor falando”,  e minha irmã pedia, “ Me deixe ver também”. Era pura fantasia. Tanta era nossa obsessão em ver nossos artistas favoritos do rádio que nossa imaginação, materializava imagens ao ponto de nos levar a descrever o tipo de roupa, a cor dos sapatos, o tipo de penteado. Afinal, nos anos 50 a televisão chegou ao Brasil. Naquela época de inicio da TV no Brasil, os aparelhos eram muito caros, todos importados,algo inacessível  para uma família como a nossa, custava quase o preço de um carro.Tanto é que demoramos um bom tempo para adquirir um aparelho. Fato socialmente curioso era o que faziam muitas pessoas, que não tinham aparelho de TV, para se darem um status de possuidores de um televisor. Compravam as famosas antenas espinha de peixe,ou pé de galinha, e as colocavam nos telhados alimentando uma mentira que enganasse a sua própria condição socioeconômica. Na vilinha onde morávamos, alí na Alameda dos Tabajaras,hoje Nhambiquaras, nosso vizinho Rogério, foi o primeiro a ter uma TV.Daí, como se tornou hábito naqueles tempos, formavam-se os “televizinhos”. Ele me permitia ver até tarde,na PRF3-Tupy, os filmes que se arrastavam, intercalados com tantas propagandas até a estação encerrar suas atividades. As vezes, para não me deixar sem saber o final, ele e a esposa iam dormir, pedindo para desligar o aparelho, fechar a porta e jogar a chave por baixo. Quando a TV passou a transmitir os jogos de futebol íamos, os irmãos mais jovens do Rogério e eu, a sua casa para assistir uma partida e as vezes à casa de um seu primo, corintiano, que nos recebia com uma felicidade imensa, já com um lanche preparado: salgadinhos e cervejas, para os adultos e refrigerantes para nós,os garotos.Lá na casa do Carlos vi o Corinthians ser campeão do IV Centenário. Ver TV se tornava um acontecimento social. A gente se preparava para ir a casa do vizinho, era visita mesmo. Lembro que minha mãe fazia um bolo de cenoura para levar e outros vizinhos levavam suco, salgadinhos,bolinhos de chuva, era uma festa. Todo mundo fazia silêncio durante a programação e só falavam, nos intervalos, comentando os produtos apresentados pelas  “garotas-propaganda”. Era tudo ao vivo. Lembro, se não me falha  a memória,uma primeira grande revolução nas transmissões,  quando apareceu o VT. Foi em 1959,na Continental do Rio e depois, em São Paulo, se fez uma propaganda para explicar o que era o VT, usando-se uma cena gravada com a Wanda Cosmo. Foi um assombro. Daí em diante não parou de evoluir, passando pela cor,até os dias atuais digital, plasma, LCD,3D etc. Cresceu em tecnologia mas não muito em programação. Nos primórdios a recepção em algumas áreas não era boa, muito ”chuvisco”. Tinhamos que subir no telhado e colocar um pouco de Bom Bril nas pontas da antena e ficar virando de um lado para outro até encontrar o ponto ideal para a recepção.  Um certo dia,como já mencionei,muito depois do advento da televisão no Brasil, chega em casa uma TV Semp, 17 polegadas. Era um móvel de mesa imponente com madeira circundando o enorme tubo. Meu pai quis fazer uma surpresa.Confesso que não lembro onde ele comprou, e não lembro de ele ter falado,talvez para evitar aborrecimentos com minha mãe pelas dificuldades que iríamos ter para pagar. Quando minha mãe perguntou, ele se limitou a dizer:”Pago, só com as horas extras que farei” Na época ele trabalhava no aeroporto de Congonhas, na Cruzeiro do Sul, antiga Condor, que mudou seu nome por volta de 1943, por causa de motivos políticos, por ser uma empresa alemã. Era tanto sacrifício que o coitado ia e voltava  a pé até Congonhas para não gastar a passagem de ônibus. Morávamos na Tabajaras (Nhambiquaras) quase esquina com a Jandira. Ele subia a Jandira até a Moreira Guimarães e de lá  ia até ao aeroporto, fazendo o mesmo caminho de volta.Mais tarde, pensando sobre a compra, deduzimos que só haveria dois lugares onde ele compraria, ou no Mappin ou na Sears do Paraiso, onde hoje está o Shopping Paulista. Penso que foi na Sears porque ele tinha um primo que trabalhava lá, na seção de eletrodomésticos, e que teria facilitado a compra a prestação. Foi uma festa. Minha mãe preparou um chocolate, com bolo e sequilhos e chamou os vizinhos para participarem daquela sessão  inaugural. Hoje, por mais que puxe pela memória,não consigo lembrar exatamente qual foi o primeiro programa que assistimos, só lembro que a sala estava cheia. Minha duvida está entre o Clube do Papai Noel, apresentado pelo Homero Silva e pela menina Sonia Maria Dorse, ou se foi O Mappin Movietone, Tele Jornal apresentado pelo Toledo Pereira.  Lembro de alguns programas que costumávamos assistir, por exemplo da Sarita Campos, infantil,  Palhinha filmando a rodada,esportivo. Sitio do Pica-Pau amarelo,infantil,entre outros.Depois da Tupy, resultado do sonho do empresário Assis Chateaubriand, Presidente do Grupo dos Diários Associados, vieram a TV Paulista, canal 5 e a Record canal 7.Durante um bom tempo a pequena sala de casa fervilhou de Televizinhos. Era um tempo em que os vizinhos se falavam, sentavam na calçada,pediam emprestado uma xícara de açúcar, ou pó de café e depois devolviam estendendo  um papo até altas horas. A Televisão mudou um pouco esses hábitos. Vejo com saudades aquele tempo, onde não havia Orkut, Twiter ou Face Book, e éramos felizes. Hoje, quando me convidam para participar dessas redes respondo que eu sou de um tempo em que era Face to Face, vis-à-vis, cara a cara, ou fazendo uma  analogia com termos ingleses, digo que prefiro o Face on Table, olhos nos olhos acompanhado de um chopinho, ou uma taça de vinho. TV, hoje, só com programas  selecionados a dedo.

Texto enviado por José Palma Bodra

4 comentários:

  1. José Palma Bodra

    adorei o face to face e o face on table!
    Nestes novos tempos poucos entenderiam o sacrifício de seu pai indo e vindo a pé do serviço por ter realizado a compra da TV e era assim mesmo: muita baralha no dia a dia.
    abraço

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  2. Muito bom relembrar das antenas espinha de peixe e pé de galinha e saber também, que muitos tinham as antenas, porém não tinham os aparelhos.Quanto aos vizinhos era tudo de bom, pois todo mundo se conhecia
    obrigada pelo texto
    Ana Maria

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  3. você escreveu que sua mãe fazia o bolo de cenoura, a minha fazia bolo de fubá e às vezes pequenos sanduiches de pernil, assistir a TV era uma festa.

    Maria Julia F.Dias

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  4. Olá,José!

    Era tão bom quando se reunia a família em frente a TV...
    Em nossa casa também se degustava excelentes quitutes,para companhar os programas da televisão.
    Bons tempos.
    Valeu!
    Muita paz!

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