sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Urubu dorminhoco

Domingo de manhã, eu estava dormindo. Foi em 1966. Vieram me acordar. Souberam que eu tinha um laboratório de fotografias em casa e precisavam dos meus préstimos. Estava acontecendo a Gincana Record, patrocinada peal Rádio Record, e o pessoal precisava de uma foto do Monumento do Ipiranga, aparecendo o chefe da equipe. A brincadeira era a seguinte: no rádio ouvíamos os pedidos que a emissora fazia de objetos, os mais esquisitos e escabrosos do mundo. Equipes inscritas que levavam tais objetos pedidos continuavam na gincana, senão eram desclassificadas. O vencedor final ganharia um fusca zero.

Fomos ao Ipiranga e tirei uma bonita foto do carinha descendo as escadarias do monumento. Nem precisei revelar, pois conseguiram a colaboração do Viotti, dono do laboratório do bairro, e fizeram as cópias do meu filme lá. Então, me convidaram para participar da gincana e eu passei o domingo inteiro naquela brincadeira. Lembro somente dos últimos pedidos.

O penúltimo pedido era levar um urubu. Falei pro meu amigo:
- Rápido, toca para a Marginal no Corinthians! Lá está cheio de urubus!

Chegando, era um lixão, dez da noite, a urubuzada dormia tranqüila. O motorista que me deixou lá, nem vi mais... Eu estava sozinho e via os bichos ali, à minha frente, quietos. Fui indo devagar, no maior silêncio, mas acho que essas malditas aves devem ter algum tipo de radar, porque, assim que eu estava há uma distância de aproximadamente uns 20 metros, todos eles começaram a levantar vôo, batendo aquelas asas enormes e pretas. Foi uma revoada geral!

Corri o mais que pude e vi um retardatário, acho que o mais “dorminhoco”, que tentava voar. Pulei e consegui pegar as patas dele no ar. Só que quando cai com o bicho nas mãos, o chão sumiu. Era um lixão ou um aterro, não sei definir bem. Só sei que eu e o urubu fomos para o fundo de um monte de barro, tão fundo que eu não conseguia apoiar o pé no chão e nem nada. O bichão, com as asas abertas, estava se apoiando na borda daquele poço de lama. Com uma mão, tento subir e a outra, segura fortemente “meu” urubu.                                                                         

Não sei como, não sei da onde, não tinha ninguém comigo, juro, mas apareceu uma mão e, segurando em minha mão livre, me ajudou a me apoiar na beira e sair dali. Agradeci o garoto que havia me ajudado, muito honrado. Ele disse que era um garoto da favela, mas eu não conseguia acreditar. Acho que era o meu anjo, isso sim!

Encontrei o meu amigo algum tempo depois, entrei no carro, que era um Simca francês, daqueles bem pequenos. O cara não estava acreditando no cheiro do urubu, era terrível!

O bichão estava quieto, mas acho que ele estava estranhando tal viagem. De repente, a ave assustou-se e tacou uma mordida no meu braço. Segurando ele pelas pernas e agora pelo pescoço, cheguei em casa para tomar um banho e eles levaram o pedido para a emissora.

Nunca mais vi o meu urubu. Minha mãe jogou as minhas roupas no lixo; o odor era horrível, não dava para aguentar!

O último pedido foi encontrar o Jair Rodrigues. Encontraram o cantor na Praça Buenos Aires e a minha turma ganhou o fusquinha! A Gincana Record era uma bela e divertidíssima brincadeira, mas haja coração e anjo!
texto e foto enviados por: Pedro Cardoso



6 comentários:

  1. Sempre muito bom ouvir histórias sobre as Ginkanas da Kibon

    Sergio

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  2. Não deve ter sido nada fácil arrumar e conviver por um tempinho com o tal urubu

    Clotilde Dias

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  3. Muito corajoso você, duas vezes corajoso: pegar o urubu e conviver por um tempinho com o cheiro dêle, não dá nem para imaginar o estado da sua roupa.

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  4. Como a gente se divertia com as famosas ginkanas, era turma contra turma , mas tudo numa boa

    Julio Marco

    abraço

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  5. marta ovando obara11/03/2011 7:12 PM

    ainda bem que nas vezes que particpei da ginkana não pediram o tal do urubu, porque estaria ate hoje tentando encostar minhas mãos nele, ai que medo.Bacana sua equipe ter ganho o concorrido fusca,Abraços,Marta

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  6. kkkkkk Lixão??? Precisa mesmo de muita coragem pra correr atraz de um urubu por lá...agora:para ganhar um fusquinha eu faria qualquer coisa!!!!kkkk

    Abs
    Iara

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