sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Memórias de um pai de primeira viagem

Depois de uma gestação bastante complicada, conforme já narrei em outros textos, dia 18 de março de 1969 vinha à luz uma menina linda que na pia batismal receberia o nome de Renata. A época era de vacas magras. Morávamos na Rua Maria José, as entradas financeiras eram poucas e descontinuadas.

E a garota havia chegado com uma fome assustadora. Por sua vontade, não dava sossego à mãe que, por mal maior, não produzia a seiva maternal com a devida quantidade. Então, mostrando que os pulmões eram saudáveis, a menina punha a boca no mundo, chorava, berrava de tal forma que quase nos levava a chorar juntos.

Não havendo outro recurso, partimos para o leite em pó. Leite Ninho. Enfim a fome parecia saciada. Os intervalos entre as mamadas passaram a ser mais regulares. A paz, finalmente, parecia ter chegado e aportado naquele lar em construção.

Na verdade, a Renata se mostrara, desde o início, uma chorona dengosa. E nós, pais amantíssimos, buscávamos apaziguar seus choros fazendo-lhe as vontades, dormindo com ela entre o casal, segurando-lhe as mãozinhas a qualquer resmungo noturno, dando-lhe chazinhos madrugadores, etc., etc. e tal...

Assim se passaram os meses de março e abril, com choros, noites mal dormidas, falta de dinheiro, mamadeiras e tudo o mais que poderíamos suportar. Dois meses antes de o homem pisar na Lua, nos éramos um casal de pais meio esbodegados de primeira viagem.

Foi precisamente no dia 30 de abril que o drama chegou ao ápice. A nossa Renata começou a chorar e nada fazia com que ela parasse. Chorava antes e depois da mamadeira, chorava acordada e dormindo, no colo ou no berço, chorava alto e baixo, forte e fracamente, dia e noite. Chegou o dia 1º. de maio, feriado nacional, e ela não respeitou a data: continuou a chorar.

Tínhamos sido convidados a almoçar na casa do famoso Tio Durval, já apresentado aos leitores em texto específico. O convite era providencial, todos sabiam, colocamos a Renatinha no Moises (berço ambulante) e fomos para o tão esperado almoço. O trajeto era bem pequeno; para ser mais exato, três quarteirões, já que o tio Durval morava na Rua Conselheiro Ramalho.

Naquele dia, especialmente, o trajeto nos pareceu ter várias léguas. A Renata não parava de chorar e chamava a atenção de todos que conosco cruzavam. O choro continuou durante o dia inteiro, ela foi rezada e benta por conhecidas lá na vila que o tio Durval morava e nada resolveu.

Resolvemos voltar para casa. O choro continuou. Desesperado, sem mais nada para tentar, juntei os parcos trocados que me restavam e, pegando um táxi, levamos a menina para o antigo SAMDU, na Rua da Liberdade. Chegamos e, por causa do choro, acredito eu, fomos atendidos rapidamente, embora o OS se encontrasse lotado.

Depois dos exames preliminares, o pediatra de plantão nos chamou e disse que a menina estava precisando de maiores cuidados médicos e, por isso, nós seríamos encaminhados a um hospital onde os recursos eram mais eficientes.

Lá se foi, então, o trio, devidamente acompanhado por outros pacientes, para dentro de uma ambulância que, de imediato, saiu piscando sua luz vermelha e gritando com sua estridente sirene. Não sabíamos o destino, só sabíamos que iríamos em busca de lenitivo para os males de nossos doentes.

Na ambulância, os comentários eram para que não fossemos para o Hospital Geral da Lapa, pois corriam comentários de que quem ali entrava só saía para o cemitério. Olhei para a Cida e nossos olhares estavam esbugalhados e tensos. Chegamos ao destino, pernas bambas adentraram no saguão do Hospital Geral da Lapa.

Minha vontade era sair correndo e levar minha filha para longe daquele nosocômio, mas o choro da pequena me fez desistir da idéia. Aguardamos. Fomos atendidos, a menina passa então por exames básicos e somos informados que ela deverá ficar internada para exames e acompanhamento, mas não poderíamos ficar com ela e nem montar guarda no saguão do hospital. Deveríamos ir embora e voltar na manhã seguinte para conversar com o pediatra titular do hospital.

Muito a contragosto, foi o que fizemos. Saímos em busca de um ônibus que nos levasse o mais próximo possível de nossa casa, pois o dia 1º já se acabara e estávamos nos primeiros minutos do dia 2 de maio.

Na condução, nos seguramos, mas, ao chegar em casa, desabamos num choro contundente. A nossa Renata, depois de dois meses, passava sua primeira noite longe dos nossos olhos e, pior, internada num hospital.

Logo pela manhã, conversei com a Cida e decidimos que só eu iria ao hospital de imediato, se fosse necessário eu telefonaria para ela e ela iria me encontrar lá. Saí de casa por volta das 7 horas da manhã, passei na casa de minha mãe para conseguir algum dinheiro e fui para o hospital.

Cheguei e fiquei sabendo que o pediatra ainda não havia chegado. Meia hora depois, fiquei sabendo que ele já estava no hospital, porém faria primeiro as visitas de rotina e depois iria examinar os pacientes entrados no dia anterior. Eu precisaria aguardar. Sem solução aguardei.

Depois de três horas de longa espera, vejo um senhor meio calvo, com um avental branco se aproximar do balcão de atendimentos, falar alguma coisa com a recepcionista e ela, olhando para mim dizer: Os pais da Renata Chammas, por favor, se aproximem...

Respirei fundo e me aproximei daquele senhor que continuava mantendo um semblante sério. Tão logo cheguei mais perto, o médico, medindo-me de cima a baixo, disse numa voz meio esganiçada: O senhor é o pai daquela linda menina? Quando acenei com a cabeça concordando, ele continuou: Você e sua mulher querem matar a coitadinha? Quem mandou a entulharem de leite em pó? Ela teve uma paralisia intestinal, sabia? Poderia ter morrido.

Nossa, tudo aquilo de uma única vez quase me derrubou. Fitei o médico com olhar suplicante e ele, mas calmo continuou: Pronto, não precisa chorar, agora está tudo bem, ela já esta cuidada e “desentupida”. Fala pra mãe dela passar a alimentá-la com leite próprio e completar as mamadas, se necessário, com leite comum tipo “C” cortado em 1/3 com água fervida e engrossado com farinha de arroz, do jeito que escrevi na receita. Pode pegar sua filha e ir embora.

Ufa! Que alívio constatar que minha filha havia sido internada no Hospital Geral da Lapa e dele sairia viva! Peguei a menina nos braços, parei um táxi (a ocasião merecia gastar com o transporte), fui embora.

Ao chegar em casa, foi uma choradeira geral. Eu, Dona Cida, minha mãe, a mãe dela, minha irmã, os vizinhos, todos choraram de alegria. Hoje, relembrando o fato, posso avaliar como sofre um pai de primeira viagem!
texto enviado por: Miguel Chammas

5 comentários:

  1. marta ovando obara8/05/2011 4:10 PM

    Miguel pai de primeira é assim mesmo e como sofre, isso sem dizer que o pai vira carregadoe de tudo, carrinho,moises,sacolinha do bebê e tambem o bebê,as reclamações da mãe,os palpites de tudo mundo, vai as compras , paga e quando chega a noite não dorme porque fica olhando carinhosamente para seu rebento , lindo, perfeito e seu.Adorei o que você escreveu e dei boas risadas.Marta

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  2. pais de primeira viagem 1 capítulo à parte na vida das pessoas: erros engraçados,insegurança total,várias bobagens e sonolência constante.
    Muito bom.

    Marlene D.de Souza

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  3. com o seu texto acabei lembrando de quando nasceu minha menina e quanta bobagem em casa cometemos, quanto desespero
    gostei muito

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  4. esqueci de por o meu nome

    Maria Helena

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  5. Penso que todos nós,quando tivemos nossos primeiros filhos, pudemos passar por alguma situação inusitada e ficamos meio desesperados...
    Minha filha tb deu bastante trabalho quando nasceu...bronquite e garganta...foram meu carma.
    Felizmente, estes pequenos crescem...Aí o trabaho é outro...e muito maior.
    Valeu, Miguel!
    Muita paz!

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