quinta-feira, 25 de agosto de 2011

FELIZ DIA DOS PAIS

Todo ano é assim.

Chega março e o sentimento de orfandade torna-se intenso. Nem vovô, nem papai estão mais aqui para a comemoração. Não há mais jantares especiais e nem o grande momento de entregar-lhes os presentes.

E o jantar especial consistia em comer o que eles mais gostavam: frango com polenta e, para beber, uma garrafa de vinho.

Foram tantos os presentes. Mas os mais marcantes foram duas extravagâncias: Nós - os netos - nos cotizamos e compramos para o vovô uma "pippa" (cachimbo) novinha em folha, feita em pau-rosa e com ponteira de madrepérola. E a vez em que eu e meu irmão economizamos o dinheiro das nossas mesadas e demos ao meu pai uma cigarreira de prata... (Soubemos depois que era banhada a prata.)

Todo ano é assim.

Chega março e o que restou são velhas recordações cristalizadas no tempo e que eu passo e repasso, numa tentativa de reter, por um minuto que seja, a sensação agradável daqueles dias de convivência...

Embora eu saiba, e agradeço sempre por toda a batalha que "nonno e babbo" lutaram para que eu tivesse uma vida boa e estudos, eu me atenho às lembranças da simplicidade dos atos e gestos de amor que tiveram para comigo. E são pequenas coisas as que mais marcam. Atos banais ou corriqueiros podem fazer-nos amar ou odiar. Simples atitudes que podem modificar uma vida inteira, para o melhor ou o pior. Eu sempre tive amor.

As primeiras lembranças que tenho do meu avô é estar no seu colo, sendo embalado por "ninnananna" (canções de ninar) antigas, as mesmas com que ele embalou todos os filhos. Lembro do seu riso franco aplaudindo as minhas "gracinhas"... E lembro com uma ternura imensa que, quando voltando à consciência entre as febres provocadas pelo sarampo ou a caxumba, eu via o "nonno", aquele homem forte e duro, ajoelhado humildemente aos pés da imagem da Madona, que ficava no meu criado-mudo, rezando por mim. Ao olhar para ele naqueles momentos de febre e delírio, um sentimento estranho, para mim inexplicável até hoje, dava-me uma paz inenarrável.

Ele ficava ali, junto ao meu leito, como ficara (a "nonna" contou mais tarde, com lágrimas nos olhos.) junto aos filhos gêmeos que morreram de difteria, na Itália. Ficava ali, como ficara junto a cada filho doente. Saía do meu lado para ir ao trabalho. Voltava do trabalho para ficar ao meu lado...

Lembro que, quando a medicação e a natureza seguiam o seu curso e eu melhorava, os olhos de vovô brilhavam de alegria e ele voltava a ajoelhar-se em frente a Madona e agradecer...

Lembro também de ficar ouvindo até adormecer as histórias da mitologia greco-romana que o "nonno" contava.

E meu pai fez de tudo por mim. Privou-se de tanta coisa para que não me faltasse nada. Reconheço e agradeço. Mas o que ficou do "babbo" e que foi, é, e será sempre de importância vital para mim, resume-se também a pequenos atos e cuidados e de amor.

Ele tinha uma paciência infinita quando cortava as unhas das minhas mãos e pés. Cortava uma a uma recitando: "Este é seu mindinho, que vai ficar bonitinho"... "Este é o pai de todos"... Quando chegava às unhas dos pés, brincava, tapando o nariz, dizendo que eu tinha chulé, fazia cócegas na sola do meu pé fazendo-me gargalhar.

Para distrair-me, roubava os panos de prato da cozinha e fazia com eles coelhinhos e cachorros com enormes orelhas e imitava vozes, qual um teatrinho de marionetes. Inventava histórias e situações divertidíssimas com aqueles "bonecos" improvisados. Puro encantamento!

E a alma de pai e de artista se manifestava quando ele cuidadosamente riscava o modelo do meu pé, ou "provava" o sapato inacabado que ele estava fazendo para mim; testava o solado e o tipo de couro para que não machucassem. Das mãos de papai saíram sapatos de amarrar, mocassins e sandálias que eu fazia questão de "desfilar" pela rua a dizer com orgulho: "Li ho fatto il mio babbo!" (Foi meu pai quem os fez!).

E papai foi o responsável por minhas primeiras aventuras fora de casa, da rua e do quarteirão. Todo o sábado pela manhã, meu pai colocava-me na traseira de sua bicicleta e levava-me até os descampados, atrás da caixa d'água, onde havia campinhos de futebol de várzea e os canos do DAE (atual SABESP). Lá, como ele costumava dizer, "soltava o seu cavalo (eu) no pasto". Eu e ele voltávamos para casa, sujos de terra e queimados pelo sol...

E me encanta relembrar que eles faziam de tudo para serem amados. Ao contrário de tantos pais que primavam em serem respeitados. Pela sabedoria do vovô e papai aprendi a amá-los, e com o amor nasceu o respeito verdadeiro e profundo.

Todo ano é assim.

Chega o mês me março e a proximidade do Dia dos Pais deixa-me sensível e nostálgico.

Como assim!? Dia dos Pais em março???

Em março, sim! Precisamente no dia 19, "giorno di San Giuseppe"! (Dia de São José).

Homenagear os pais era uma tradição dos imigrantes italianos, espanhóis e portugueses. Comemorava-se no dia que era dedicado ao pai de Jesus. No Brasil, até 1953, não havia dia comemorativo dos pais. (*) E a tradição ainda era mais forte que a imposição.

Voltando à narrativa, março deixa-me sensível e nostálgico. Mas sem o sentimento de perda. Pois só se perde o que não se teve. E eu tive muito. E por muitos anos essas duas figuras paternas, que me ensinaram sobre ter consciência dos próprios atos e sobre o discernimento, estiveram junto a mim. E nas loucuras do correr da minha vida, não me arrependo do que fiz e nem do que não fiz. A confiança que eles tinham em mim, e o amor e respeito que eu tinha por eles, transformaram-se no "fiel da balança" a equilibrar as minhas atitudes. E, para mim, sempre foi muito importante a opinião deles, o que pensariam de mim. Nunca deixei de fazer nada por temor e sim por amor. E os queria felizes. Quem sai aos seus, pode cometer deslizes pela vida, mas não degenera...

Chega março e eu espero pelo dia 19. Nesse dia, com certeza, como todo o mês de março, na solidão da minha casa prepararei os paramentos para a celebração. A mesa será posta, o frango com polenta será encomendado à cantina e também a garrafa do Bolla - Valpolicella. Então, irei sentar-me, encherei uma taça com o vermelho sangue do vinho e, como fosse uma missa herética, erguerei a taça "benzendo" o espaço: Em nome do vovô (Pai), do "babbo" (Filho) e eu (eu mesmo, com pretensões a Espírito Santo). Tomarei um gole do vinho e "atacarei" a estranha hóstia feita de fubá de milho e "penosa"...

"Un felice San Giuseppe a tutti i padri!"

(*) _ O "Dia dos Pais" foi instituído no dia 14 de agosto de 1953, dia de São Joaquim - o patriarca da família. Hoje em dia é comemorado no 2º domingo do mês de agosto.
 
 
texto enviado por: Wilson Natale


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5 comentários:

  1. que felicidade a sua ter convivido com um avô e um pai como os seus, gostei demais da história e de saber a origem do dia dos pais

    Maria José

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  2. Confesso que eu desconhecia o Giorno di San Giuseppe é vivendo e aprendendo ,parabéns pela homenagem ao seu pai e também ao seu avô.

    Carlos José

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  3. lindo texto, transbordando de amor... parabens ao escrevedor !
    cris

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  4. Olá, Wilson!

    Seus textos sempre nos surpreendeme nos encantam.
    Que bom conhecer um pouquinho mais sobre a história de sua família.
    Nossos pais são nossos heróis, nossos cúmplices, nossos conselheiros, nossos amigos, com certeza. E avô é aquela coisa gostosa...de segurança, de história,de continuidade...tudo junto, numa mistura que não se explica, de tão boa.
    Valeu, Natale!
    Muita paz!

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  5. marta ovando obara8/31/2011 2:53 PM

    Wilson como é bom recordar, ainda mais tenho esse vovô encantador e esse pai querido.Uma vida dessa não é pra se esquecer jamais.Parabens, abraços Marta

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