terça-feira, 15 de março de 2011

Mulheres no trajeto
O valoroso biarticulado e reprogramado 5362-10 Praça da Sé.
A reprogramação, com substituições, seccionamentos e implantações, era para contemplar o aumento de 27% na oferta de lugares. Mas os 27 metros do autocarro sai apinhado desde o ponto inicial.

No percurso da Av. Atlântica até a Igreja de Moema, conversas entrecortadas por paradas, primeira e segunda.
-Dormir no emprego não aceito mais não. Nem eu, respondeu a outra.
- Elas escravizam a gente. Não tem hora pra acabar. Falam que é pra gente trabalhar até as 18h e, até nove da noite ainda tem louça pra lavar.
- “A minha”, queria cobrar a travessa que eu quebrei. Muita vez, eu escondo, ou então, levo o que quebra pra casa.
- Já eu, a pior coisa que fiz, foi prender o rabo do cachorro dela. Foi no elevador. Quando vi era só sangue. Ficou só o cotôco. Deu dó. Liguei no serviço dela e contei. Foi um Deus nos acuda. Agora tô fazendo um curso de artesanato. Quero trabalhar em casa, por conta própria. Não agüento mais não.
- Já eu, quero achar serviço numa empresa de limpeza. Preciso do registro por causa das crianças e do INSS.
- O trabalho é muito e o ganho é pouco. Criar filhos, sozinha e ainda cuidar dos filhos dos outros, não é fácil não.
- Morar em lugar debilitado. Debilitada é a saúde. Vida débil de desejos Chuvarada enchentes, desmoronamentos.
- Preciso muito de uma porta-comporta. Sabe o que é? É uma porta que tem borracha embaixo para a água não entrar. Custa caro e o que eu ganho, mal dá para pagar água, luz e comida.
- O gás sempre acaba antes do mês. Faço trempe com tijolo no quintal. Cato lenha e assim vou cozinhando até o dia receber o pagamento.
- Vida cinzenta, cobrança de toda cor e tamanho. TV quebrada, divertimento esfolado.
- Serviço dobrado, faxina que não acaba. O corpo esgarçado. Vida besta.
- No dia em que perdi tudo, eu chorei. Perdi tudo só não perdi a fé.
Domésticos no Brasil são 7.223.000, ou, 7,8% dos trabalhadores (dados do PNAD 2009 e Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE). Na grande SP, o número é 766 mil. Hoje, muitas estão migrando para outras áreas.
A versão moderna da Casa Grande e Senzala são os famosos DCE’s (Dependência Completa de Empregada). Entenda-se um cubículo claustrofóbico, onde mal cabem a cama e o radinho. Acordar com o pé no tanque.
A tecnologia possibilitou muitas facilidades e a educação inseriu a mulher no mercado de trabalho. Mulheres, mães, trabalhadoras com jornadas duplas, triplas até. E quem depende de empregada pra sobreviver, acaba trazendo um problema social pra dentro de casa.
Bem em frente à Igreja de Moema, elas descem para a realização das tarefas de reprodução da vida. Tarefas fundamentais e tão pouco reconhecidas.

Escrito por Suely Aparecida Schraner

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